em Desastres Naturais, Inundações, Meio Ambiente, Políticas públicas

Imagem de capa: foto de Atelier Dreiseitl. Fonte: https://bityli.com/PUmyh


Trabalhar com drenagem urbana e controle de inundações, muitas vezes, deixa o profissional em situações um pouco desconfortáveis. Isso acontece quando é preciso explicar para alguém porque uma obra dimensionada para evitar uma enchente falha, mesmo com um projeto redondinho! Como exemplo mais comum, podemos pensar na rede de microdrenagem, que, eventualmente, não é capaz de “beber” toda a água precipitada sobre a superfície urbana.

No postQuando as obras falham”, a Aline explicou brevemente o conceito de Tempo de Recorrência, que em suas palavras é “o intervalo médio de tempo (geralmente em anos) em que pode ocorrer ou ser superado um dado evento, ou seja, é o inverso da probabilidade de um evento ser igualado ou ultrapassado”.

Depois, também explica que alguns projetos de engenharia utilizam esse tempo para definir o grau de proteção que a obra irá conferir, como por exemplo a rede de microdrenagem, que é projetada para funcionar perfeitamente durante chuvas com recorrência de 2 a 10 anos. No caso do Rio de Janeiro, a Rio-Águas exige a adoção de 10 anos para esses projetos. Isso quer dizer que nossas sarjetas, bueiros e galerias terão uma probabilidade de falhar uma vez a cada 10 anos, prevista em projeto. Infelizmente não é o que acontece, pois qualquer chuva ordinária causa problemas na nossa cidade.

Quando pensamos em rios e canais, são adotados tempos maiores, de 25 a 100 anos, dependendo do risco associado à ocorrência de uma inundação na área a ser protegida.

Então é isso? Um cara vai lá e projeta um conjunto de intervenções em um rio que corta um bairro, conferindo uma proteção para eventos hidrológicos de até 25 anos de recorrência. A prefeitura pega uma grana no Ministério das Cidades para sua obra de drenagem sustentável e coloca lá os reservatórios, mexe no rio, desvia pra lá e pra cá, pronto. Mas se vier uma chuva porreta, de 26 anos ou mais, “sinto muito”, vai dar mer…

Acho que na esmagadora maioria dos casos, isso acontece assim mesmo. Na real, o controle das inundações não pode ser feito simplesmente por uma ou duas intervenções. A solução não pode ser simplificada como uma obra milagrosa. Um projeto efetivo deve estar inserido em um programa, abrangendo tanto as medidas estruturais como as não estruturais.

Citamos aqui no Cidade das Águas algumas dessas medidas no texto “Prevenir ainda é o melhor remédio” e descrevemos mais detalhadamente o Programa de Previsão e Alerta de Cheias no post Sempre Alerta!”.

Hoje queria enfatizar a importância do Zoneamento de Áreas Inundáveis, que, como já escrevemos, “funciona como uma ferramenta para o controle do uso do solo, demarcando as áreas com maiores e menores riscos de enchentes. A partir dessa demarcação, são criadas as diretrizes de ocupação, as restrições e as medidas a serem adotadas, de acordo com cada risco associado”.

Para realizar esse zoneamento, é preciso elaborar os mapas de inundação ou manchas de inundação. Nesse mapa são demarcadas as áreas com riscos de alagamentos, associadas a probabilidades de ocorrência desses alagamentos. Assim, podemos definir tipos de ocupação do solo urbano de acordo com o risco de enchente de cada área, desde a proibição absoluta dos locais sujeitos a inundações frequentes, até a permissão de construções em locais com menor possibilidade de serem alagados, indicando medidas contra inundações (waterproof housing).

Campos de futebol podem ser instalados em zonas com possibilidade de enchentes eventuais, desde que a população saiba disso. Fonte: https://bipbap.ru/prikoly/prikoly-pro-sbornuyu-rossii-po-futbolu-11-foto.html

No geral, são traçadas três áreas de inundação, de acordo com o risco de ocorrência. Através da modelagem hidrológica e hidrodinâmica da bacia hidrográfica, são traçadas manchas de inundação para eventos com diferentes tempos de recorrência,  5, 10, 20, 50 e 100 anos, e, a partir dessas manchas, são formuladas diretrizes, regulamentos e normas legais de planejamento e uso do solo para cada faixa de inundação, de acordo com o risco a que cada área está sujeita. De acordo com o U.S. Water Resources Concil, podem ser identificadas três faixas de inundação segundo o risco associado:

– Zona de passagem de enchentes (FAIXA 1) – Zona com restrições (FAIXA 2) – Zona de baixo risco (FAIXA 3) –

Coloquei aqui um slide da defesa do meu mestrado, em que apresento esse zoneamento.

Com essa medida, poderíamos reduzir muitos prejuízos causados pelas inundações, indicando onde e como podemos construir nossa cidade. As manchas de inundação também são boas para analisarmos os efeitos de obras no sistema de drenagem, natural ou construído, como canalizações, barragens, etc.

No Brasil ainda falta muita seriedade para termos isso como uma política séria de controle do uso e ocupação do solo e enquanto não temos o zoneamento das inundações, continuamos nessa zona toda…

Foto: Diego Lara Poluição que vem do Onça. Fonte: https://bityli.com/qz3eOR

Abraços

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Mostrando 2 comentários
  • cacau rezende
    Responder

    Vamos lutar para que o “zoneamento das inundações” seja obrigatório para licença de ocupação e uso do solo aqui na nossa cidade.

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      É Cacau, o que pouca gente sabe é que Nova Friburgo tem um Plano de Águas Pluviais, com manchas de inundação traçadas para tempos de recorrência de 20 e 50 anos, considerando até mesmo cenários futuros de ocupação do solo para os anos de 2015 e 2025. Esse plano foi contratado pela Prefeitura e realizado pela Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica, ligada à Universidade de São Paulo. O estudo foi finalizado em 2007 e indica medidas de controle estruturais e não estruturais para drenagem da cidade. Provavelmente está em alguma gaveta…

      Abraço!

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