em Meio Ambiente, Políticas públicas

Nas últimas semanas, os alunos e professores do Centro de Tecnologia da UFRJ, onde estão as unidades das Escolas Politécnica e de Química e ainda a COPPE, enfrentam um impasse que envolve os estacionamentos. Desde a volta das aulas dos cursos de graduação, a demanda por vagas mostra-se muito superior à oferta existente, deixando muita gente enfurecida na procura por um pedacinho de terra para deixar seu carro. Isso, considerando que menos que 25% dos frequentadores da Cidade Universitária utilizam carro próprio.

A solução, para a Decania do CT, foi reservar um dos estacionamentos, o maior deles, apenas para funcionários das unidades, desconsiderando que quase 90% do corpo social do CT é composto por alunos, de acordo com informações do Plano Diretor UFRJ 2020. Como era de se esperar, os alunos não gostaram e iniciaram um movimento contra a medida, considerada abusiva e que, certamente, não tem nada a ver com a ideia de construção de uma verdadeira Comunidade Acadêmica.

Deixando de lado o objeto causador da confusão, me parece que a discussão passou a ser mais uma briga por direitos, contra um retrocesso conservador que discrimina o aluno como uma espécie de parasita, que utiliza a “universidade dos professores” por alguns anos, como foi claramente exposto por um dos funcionários da UFRJ em uma discussão com seus alunos, em represália contra o movimento. Isso pode ferir alguns reacionários, mas o reitor não é um rei, o decano não é um duque e os professores não são os nobres donos de terras.

Porém, com toda essa confusão, uma das principais causas fincada na raiz desse problema de vagas na UFRJ, que é a pontinha do iceberg, tem um histórico um pouco mais antigo. O que me deixa realmente triste é não ver nenhuma faísca disposta a reacender essa discussão. O sucateamento do sistema de transporte público em todo o país, começando com o abandono dos demais modais de transporte para fortalecer o rodoviarismo, adotado nos “50 anos em 5” de JK, que prometia rasgar o país com grandes rodovias e fabricar carros aqui no Brasil, criando também o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), para instalar montadoras em território nacional.

O carro tornou-se para o brasileiro o maior indicativo de sucesso e podemos ver isso muito claramente na maioria das propagandas publicitárias veiculadas na televisão, as quais colocam o automóvel como referência de estilo, independência, sucesso e posição social. Enquanto isso, o transporte público, paulatinamente, foi sendo esquecido, sem investimentos, e chegamos ao ponto em que estamos.

Poucos devem saber, mas a Cidade do Rio de Janeiro tem um Plano Diretor de Transportes Urbanos, elaborado pela COPPE, mas não consegui encontrar o documento disponível na internet. Se alguém o encontrar, compartilhe conosco aqui, por favor. Nesse plano, há diretrizes para investimento e expansão do sistema de transportes, incentivando a intermodalidade, ou seja, integrando os diversos modais, como o rodoviário, utilizando os BRT’s, e o hidroviário, utilizando a Baía de Guanabara. E aqui, enfim, chegamos no ponto em que eu gostaria de tocar…

Como pode uma cidade com a localização do Rio, com esse grande espelho d’água calmo e protegido, não ter um transporte hidroviário?

Porém, consegui encontrar, no Plano Diretor da UFRJ. No Capítulo III – Cidade Universitária, Cidade Acessível, o plano afirma que “o acesso à Cidade Universitária deverá privilegiar o transporte de massa sobre trilhos e hidroviário”. Reafirmando isso com a seguinte passagem:

Todos os esforços deverão ser consagrados a assegurar um sistema multimodal integrado, contemplando por ordem de prioridade:

  • ligação metro-ferroviária;
  • BRT – ônibus rápido com vias segregadas –, caso esta venha a ser a opção escolhida pelos governos estadual e municipal para o transporte público de massa nos grandes eixos de circulação da cidade;
  • ligação hidroviária;
  • ligação por ônibus convencionais, sempre que possível integrados ao metrô e, se for o caso, BRT.

O plano é bastante enfático ao afirmar que a Cidade Universitária vive hoje uma situação crônica, de caos, no serviço de transporte público para acesso ao campus do Fundão, dizendo que “nas condições atuais, a Cidade Universitária oferece condições precaríssimas de acesso aos que lá estudam e trabalham, e o aumento da população universitária tornaria a situação totalmente insuportável (na verdade, ela já o é)”.

A opção pela instalação de um eixo hidroviário priorizará a ligação Fundão Universidade Federal Fluminense (Gragoatá) Praça XV Praia Vermelha. Esse vetor de transporte uniria duas importantes universidades federais, dando mais uma opção de transporte para quem vem do outro lado da Baía, do centro e da zona sul. No Blog do Deputado Federal Sirkis, encontrei um texto sobre a possibilidade de um eixo Centro-Barra, vale uma lida.

Aqui no Cidade das Águas, a Luiza já levantou a importância do transporte hidroviário para o desenvolvimento das cidades, apresentando dois projetos, um em sampa e outro em Recife. Também comenta o infeliz estado em que se encontram as barcas, que ligam o Rio à Niterói.

Assim fica difícil! Temos pouco e o que temos não funciona… já passou da hora de vermos nosso dinheiro investido para a melhoria da nossa qualidade de vida. As Olímpiadas estão aí e o Carlos Nuzman não utiliza transporte público. A frase é batida e bem conhecida, mas eu gosto muito e vale fechar esse texto com ela:

Un país desarrollado no es un lugar donde los pobres tienen coches, sino donde los ricos usan transporte público.”

(Gustavo Petro, Prefeito de Bogotá)

___________

Fonte da imagem de capa: http://s2.glbimg.com/

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Mostrando 6 comentários
  • Gabriel T. de Oliveira
    Responder

    Bom dia,
    Gostei muito também da matéria e acho que posso contribuir no que diz respeito a algumas questões que foram levantadas.
    Meu nome é Gabriel e estudo no Programa de Engenharia de Transportes lá da COPPE. Em uma das aulas surgiu a questão do transporte aquaviário e o porque de sua inexistência como conector de lugares como as ilhas espalhadas pela Baía. Uma das pessoas do curso é da Secretaria de Estado de Transporte (que faz a concessão do serviço das Barcas) e disse que o custo de operação de uma barca é de 15kU$/dia o que torna qualquer trajeto quase inegociável. É a mesma secretaria que auxilia na compra de novas barcas (acho que há algumas da Coréia chegando). Além disso, é a secretaria responsável pela elaboração do Plano Diretor, que foi feito em 2002, e que se encontra no link: http://www.rj.gov.br/web/setrans/exibeconteudo?article-id=226287.
    Não quero levantar discussões, acho que o custo em se tratando de um serviço público essencial deve ser relativizado em termos do que trará de mobilidade e acessibilidade para uma maior quantidade de indivíduos, mas é sim um ponto considerado decisivo.
    Abraços, Gabriel

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Olá Gabriel,

      muito obrigado pelas informações! Tentei baixar o PDTU, mas não consegui, depois tento de novo. Quanto ao preço de operação das barcas, parece bem alto mesmo, realmente não sabia e vou procurar isso direitinho. Mas assim como você mencionou em seu comentário, quando trata-se de investimento no setor público, em serviços essenciais, a análise vai além da viabilidade financeira direta. São levados em conta a viabilidade econômica e social, pois, muitas vezes, os benefícios advindos do investimento podem gerar retornos para a população que não são medidos em um simples estudo custo-benefício de uma empresa interessada em “mamar” no governo. Benefício financeiro é diferente de benefício econômico e por isso devemos olhar com atenção às concessões de serviços essenciais.

      Agradeço mais uma vez sua participação,

      grande abraço.

  • angela
    Responder

    Muito bom. Quando será que nossos gestores públicos realmente conversarão com os técnicos e darão a eles o valor do saber, para que possamos ter verdadeiramente uma política pública de transporte…

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Gostaria muito que esse dia chegasse logo… as decisões sempre serão políticas e assim devem continuar sendo, mas com o apoio de uma base técnica apropriada, elas tendem a ser mais acertadas.

      Beijos

  • Ian Vieira
    Responder

    Excelente matéria Osvaldo.
    Eu estava outro dia pensando… Desde quando comecei a andar de ônibus, há uns 15 anos atrás, os coletivos estão da mesma maneira, cobrindo a mesma área. A única diferença é o número de carros, que deve ter triplicado…
    Lamentável a política exclusivamente automobilística adotada no Rio de Janeiro. Estamos numa situação crítica, colhendo o fruto da omissão dos governantes passados. E hoje, se nada for feito, como será o futuro??
    Um abraço a todos.

    • Osvaldo Moura Rezende
      Responder

      Valeu Ian… acho que é isso mesmo, nada mudou e casa nada mude, o futuro será bem pior, cada vez passaremos mais tempo nos deslocamentos e perderemos mais qualidade de vida. Hoje existe um grande investimento nos grandes corredores de BRT, que não é a melhor opção, em minha opinião, mas é mil vezes melhor que o transporte individual, com certeza.

      Abração

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